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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

"Atonio e eu" (Regina Silveira 2009)

Antonio e eu.

A vida e a trajetória de Antonio Albuquerque estão de tal maneira entretecidas com minha própria vida e percurso profissional que fica difícil falar sobre ele sem recorrer à memória afetiva de tudo que vivenciamos e fizemos juntos, durante diversas décadas. Foi com este mesmo grau de proximidade que também pude apreciar, creio que antes do final dos setenta, as gravuras que fazia o Antonio- artista, sempre um pouco escondido atras do Antonio - técnico de gravura-mais-do-que-excelente, a profissão que já tinha quando o conheci trabalhando com o editor Julio Pacello, em São Paulo, no início dos anos sessenta. Antonio era o único impressor daquela editora artesanal que Pacello montara nos fundos de sua casa na Baronesa de Bela Vista, muito próxima ao aeroporto de Congonhas. Neste período ele se ocupava das tiragens das gravuras que compunham o segundo volume da Historia da Gravura no Brasil, certamente um dos projetos mais ambiciosos da editora, do qual eu participava com a xilogravura As Loucas, de 1964.

Antes que eu viesse viver em São Paulo, a partir de 73, inicialmente num sobrado cor de rosa a poucas quadras da casa do Pacello, quando nosso convívio passou a ser muito mais assíduo, Antonio havia tido uma participação importante em pelo menos duas coisas importantes para meu horizonte afetivo naqueles anos: ajudara a imprimir as serigrafias do livro objeto do Julio (Plaza) e também nossa participação de casamento, impressa manualmente, com tipos móveis, no equipamento da editora.



A partir dai, mapear nosso convívio em detalhe é impossível, seria tão exaustivo como compor e percorrer uma cartografia gigante, tão gigante como aqueles mapas descritos pelo escritor Jorge Luis Borges- desmedidos e com tantos detalhes que coincidiam ponto por ponto com os territórios que representavam... Melhor mesmo é trazer alguns flashes das memórias mais vivas, na tentativa de compor a trajetória do Antonio.

Lembro com muita clareza quando o levei para a entrevista na FAAP, com vistas à sua contratação como técnico de gravura, a pedido do próprio Pacello, que já estava enfrentando problemas de saúde e declínio nas atividades da editora. Antonio ia confiante, e nem podia ser de outro modo pois o aval seria dado por pessoas que ele conhecia profissionalmente há muitos anos, como o Evandro Jardim, Miriam Chiaverini, José Moraes e Donato Ferrari, entre outros.

Mas não esqueço que também ia um bocado ansioso, limpando com uma pequena flanela, quase sem parar, o vidro muito embaçado do meu carro- sem ar condicionado-, naquela manhã chuvosa, em todo o percurso de Congonhas até o estacionamento da Faculdade...Nem preciso dizer como foi fácil contratá-lo, todos no Setor de Gravura o conheciam e já sabiam de sua competência como impressor, mas é bom reafirmar aqui o quanto, nos anos seguintes, aquele Setor de Gravura ganhou em qualidade de atendimento com sua presença, eficiência e extrema dedicação.

Na FAAP ele sempre se dividiu entre as necessidades das diversas classes e atendia centenas de alunos, em horas de aula e horários livres- Antonio se relacionava muito bem com os alunos, punha o maior empenho em ajudá-los de muitas maneiras, até investigando soluções possíveis para que seus trabalhos chegassem a bom termo- e estava sempre atento às explicações e avaliações dos professores do setor. Mas penso que tinha um carinho mais especial pelo metal e pela litografia- talvez porque fossem tecnicamente mais complexas e ele se sentisse mais desafiado-, de qualquer modo foi nesses primeiros anos na FAAP que começou a me mostrar suas próprias gravuras, de pequeno formato, a maioria em metal.



Lembro também quando o Antonio começou a ganhar maior independência para repartir seu conhecimento com alunos de gravura, na assessoria técnica que prestava à gravadora Maria Irene Ribeiro, que ele havia conhecido como monitora, nas aulas de Evandro Jardim na FAAP. Convidado por ela para auxiliar nos cursos livres de gravura que então ministrava em São Bernardo, Antonio usou muito dos seus horários livres- e certamente de sua grande energia, porque não era fácil estar trabalhando durante tantas horas “emendadas”-, para exercitar com mais independência seu saber acumulado das técnicas de gravura. Alem disto, com Maria Irene, Antonio sempre se sentiu muito à vontade para desenvolver e discutir seus próprios trabalhos. Esta boa parceria durou até Maria Irene mudar-se definitivamente para Portugal, depois de ganhar uma bolsa da Fundação Gulbenkian.

Outro cenário para sua independência crescente foi o ASTER, um centro de estudos avançados, que Julio Plaza, Walter Zanini e Donato Ferrari e eu havíamos formado em 79, e mantido ate 81. Lá Antonio prestou algumas vezes assistência aos artistas que freqüentavam os cursos de litografia e metal, e às atividades de atelier livre, em horários especiais.

Ainda dos anos da FAAP quero destacar outra lembrança, já no início dos oitenta, a do Antonio dando assistência ao artista americano Garo Antreasian, um dos fundadores do Tamarind Art Institute, autor de um dos manuais mais eficientes, até hoje, das técnicas tradicionais da litografia, que veio ao Brasil como bolsista da Fulbright para cursos que eu mesma devia coordenar, na FAAP e na ECA/USP. Como não havia outro tradutor que não eu mesma, para os dois cursos sucessivos que ministrou nas duas faculdades, mas uma tradução restringida às explicações e depoimentos mais extensos do artista para os alunos participantes, vindos de todo o Brasil, minha dúvida era como Garo e Antonio se entenderiam, na assistência direta que ele devia prestar ao professor, em parte subvencionada pela FAPESP. Foi impressionante para mim– e me trouxe muito conforto, ver como ambos se entediam às mil maravilhas, sem que um falasse o idioma do outro, na pura base do conhecimento técnico compartilhado e certamente, na vontade mútua de entendimento. Antonio aprendeu muito no trato e na assistência ao Garo Antreasian, mas sem dúvida a afabilidade e a urbanidade natural de Antonio foram os componentes mais fortes da simpatia e das trocas entre os dois.





Mais uma lembrança que vale a pena trazer é da a circunstância do “roubo” do Antonio, melhor dito, do “desvio” muito bem planejado que o tirou de seu emprego de muitos anos na FAAP para a posição de técnico de gravura no Depto. de Artes Plásticas da ECA/USP, no momento em que o Departamento começou a ganhar sua nova estrutura e melhores instalações, na metade dos anos oitenta. Nesta altura eu e o Jardim, com nossos doutorados prontos já havíamos passado a contratos de tempo integral e dedicação exclusiva com a USP e abandonado nosso trabalho na FAAP. onde durante doze anos eu também exercera a coordenação do Setor de Gravura. A operação de “roubo” do Antonio foi total e oficialmente escorada por Walter Zanini, então o novo diretor da ECA, com grande satisfação, pois para nós, agora a “ turma do CAP”, era totalmente impensável organizar e por a funcionar da melhor maneira possível os atelieres de gravura sem a presença, o trabalho e a colaboração do Antonio Albuquerque.

No CAP, naquela época com menor número de alunos e um ambiente de trabalho muito menos dinâmico que a FAAP Antonio fez o que mais gosta: “arregaçou as mangas” para por a casa em ordem. Foi o que fizemos ali, por muito tempo, juntos, ele como um aliado forte nesta missão que todos repartíamos, a pequena saga de montar e por a funcionar exemplarmente todas aquelas oficinas.

Se ate aqui essas lembranças pontuais enfatizam mais o Antonio- técnico de gravura exemplar, agora quero falar nas excelências do Antonio impressor, para fechar o ciclo, pois foi como o conheci. Obviamente ele continuou sendo, por diversas décadas, meu impressor predileto- também porque convivíamos diariamente em situação de grande proximidade com prensas, pedras litográficas, equipamentos e instrumentos vários, nas salas de aula de gravura. Foi sempre fácil conversar com ele sobre qualquer projeto novo, falar da experiência que queria fazer, enfim, tudo estava ali, na mão- vamos começar já? Por isto Antonio tem tantas gravuras minhas guardadas- trocadas com ele. Entre elas as series que apresentei em minhas defesas de dissertação e tese, na ECA/USP, na primeira metade da década de 80.





Desde que me afastei das atividades de ensino, sempre que encontro o Antonio, animado e cercado de uma moçada que o admira e aprende com ele, penso como deve ter sido reconfortante e renovador para ele ter voltado a trabalhar, em anos mais recentes, próximo aos ex-alunos da FAAP e do CAP com quem convivera antes em aulas de gravura, e que agora são os novos professores do CAP: a “troca da guarda” e um giro completo da vida- longa e bela, como gosto de pensar que ela é.

Regina Silveira

Abril de 2009






* Este texto faz parte de meu trabalho "ANTONIO IMPRESSOR ARTISTA"  apresentado na FAAP em 2009

Um comentário:

  1. Que texto maravilhoso! Antonio foi meu mestre, ao lado do Marco Buti, na ECA/USP. Anos de convivencia, amizade e paixao pela gravura. Um artista, impressor, tecnico, professor de dedicacao admiraveis!
    Debora Ando

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